sábado, 26 de março de 2011

Carta ao Mar - Poema de António Gomes Leal


Christ in the Storm on the Sea of Galilee,1695, Óleo sobre tela, de Ludolf Backhuysen

Carta ao Mar

Deixa escrever-te, verde mar antigo,
Largo Oceano, velho deus limoso,
Coração sempre lyrico, choroso,
E terno visionario, meu amigo!

Das bandas do poente lamentoso
Quando o vermelho sol vae ter comtigo,
- Nada é mais grande, nobre e doloroso,
Do que tu, - vasto e humido jazigo!

Nada é mais triste, tragico e profundo!
Ninguem te vence ou te venceu no mundo!...
Mas tambem, quem te poude consollar?!


Tu és Força, Arte, Amor, por excellencia! -
E, comtudo, ouve-o aqui, em confidencia;
- A Musica é mais triste inda que o Mar!

António Gomes Leal , em 'Claridades do Sul'
 
 
 
António Duarte Gomes Leal (Lisboa, 6 de Junho de 1848 — 29 de Janeiro de 1921)
 
Nasceu na praça do Rossio, freguesia da Pena, em Lisboa, filho natural de João António Gomes Leal , funcionário da Alfândega, e de Henriqueta Fernandina Monteiro Alves Cabral Leal.


Frequentou o Curso Superior de Letras, mas não o concluiu, empregando-se como escrevente de um notário de Lisboa. Durante a sua juventude assumiu pose de poeta boémio, satânico e janota, mas com a morte da sua mãe, em 1910, caiu na pobreza e converteu-se ao Catolicismo. Vivia da caridade alheia, chegando a passar fome e a dormir ao relento, em bancos de jardim, como um vagabundo, tendo uma vez sido brutalmente agredido pela canalha da rua. No final da vida, Teixeira de Pascoaes e outros escritores lançaram um apelo público para que o Estado lhe atribuísse uma pensão, o que foi conseguido, apesar de diminuta.

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